A mente psicótica e sagaz de Darren Lynn Bousman está de volta após comandar três episódios da fastidiosa série Jogos Mortais. Na segunda, terceira e quarta [ufa!] continuação do filme do serial Jigsaw, o diretor se mostrou ágil com uma edição típica de videoclipes, câmeras nervosas, intermináveis travellings acelerados e pulsava terror e agonia em suas cenas. De original não tinha nada, mas funcionava. Esse estilo acabou desagradando pelo excesso: de uma boa idéia para os primeiros trabalhos, se tornou extremamente cansativo a medida que cada longa da série era lançado e aquela linguagem novamente seria utilizada. Sua carnificina retornou – dosada em quantidade, mas as poucas cenas são uma aula de anatomia humana -, desta vez, musicada.
Meu receio era Bousman transformar Repo! The Genetic Opera num extenso videoclipe, algo que saberia fazer muito bem – o resultado, porém, seria desastroso. Entretanto, as poucas semelhanças com seus trabalhos anteriores se resumem aos litros de sangue cenográfico utilizados e a fotografia em alguns momentos pode trazer uma leve referência quando investe em cores e luzes fortes. No mais, o diretor não arrisca e capta a cantoria sem malabarismos, deixando para o requinte visual e as vozes dos atores sobressaírem e cumprirem seus papéis. Logo após o prelúdio em forma de história em quadrinhos que resume o necessário para adentrarmos na narração, o designer de produção cria um universo próprio para o filme; é um novo tempo – “um futuro não muito distante” como é dito – e um novo mundo dominado pela escuridão, onde as cirurgias plásticas e a GeneCo – empresa que as financia em troca de um alto [quase sempre mortal] preço para a população sobrevivente da epidemia de falência de órgãos – emanam horror com seu domínio. Realçado pela fotografia e figurinos exóticos, o tom dark presente em cada cenário não torna apenas Repo! um longa atraente, mas é capaz de inserir o espectador num mundo diferente e próprio daqueles personagens.
O longa conta apenas com diálogos cantados, então nada de piruetas e números coreografados, um estilo seguido por boa parte dos musicais recentes. Composto de muito rock, o musical não possui nenhuma canção memorável, que faça o público sair cantarolando do cinema, mas há músicas excelentes como “Legal Assassin”, “21st Century Cure”, “Chase the Morning” e “I Didn’t Know I’d Love You So Much” que valem diversas conferidas mesmo sem as imagens. Ironicamente, a pior do elenco trata-se de Alexa Vega, a personagem principal do filme; sua voz é por diversas vezes irritante, ora beirando a uma mistura de Avril Lavigne com Hillary Duff [arrepiou-se?], mas consegue, apesar de tudo, fazer um bom trabalho. Porém, os maiores destaques ficam por conta de Anthony Head [sua voz me lembrou muito a de Carl Anderson, o Judas de Jesus Cristo Superstar], dono da melhor voz do filme; Paul Sorvino, passando a autoridade e poder do personagem com seu tom grave; e Sarah Brightman, uma perfeita cantora lírica e a voz mais doce da obra. E não precisa temer Paris Hilton: ela está inofensiva.
Desta forma, Repo! possui mais acertos do que erros, os quais se tornam mais notáveis no último ato. Além de um desfecho corriqueiro e parcialmente vago [tudo indica que pode haver uma continuação], os últimos momentos do musical se restringem a tal Genetic Opera do título, que, ao ocorrer apenas num palco de teatro, não favorece o bom ritmo presente até então. Somente neste instante a cantoria causa um leve desconforto, já que o roteiro também não favorece, carregando tudo com revelações e conflitos que surgem e precisam se resolver antes que o filme termine. Apesar de uma sequência musical realmente ruim [“Seventeen”], Repo! The Genetic Opera é, no mínimo, interessante por unir terror e musical de modo harmônico, tornando-se um bom representante de cada gênero.
nota | 7,5
mais informações | cinema em cena, imdb