a última impressão é a que fica

Quando entro numa sala de cinema ou dou play no aparelho de DVD – ou no Media Player Classic -, a primeira coisa que espero é passar algum tempo longe desse mundo aqui. Às vezes pareço tomar uma atitude meio convarde, com o desejo de assistir um filme para fugir da minha realidade, nem que seja por um pouco mais de uma hora. [Minhas ressalvas com documentários era exatamente porque o gênero não me proporcionava isso – pelo contrário, me deparava com uma outra verdade, longe da minha, muitas vezes, mas situada ainda no lado de cá da tela. Mas aprendi a gostar do gênero, hoje lido bem com ele, apesar de só encará-lo mediante minha necessidade, do que estou precisando sentir naquele momento.] Só o cinema alcança essa missão com tanta dimensão, apesar de um livro também ser indispensável. Mas cinema é mais, ao menos pra mim. Não que seja uma terapia. É um escapismo, mas não vazio. O cinema me faz perceber o que sou capaz de sentir. Aí entra a subjetividade, pois a nova experiência é oferecida, mas cada um se envolve/enxerga/sente/participa/vivencia de uma forma diferente.

Ok, não desvendei nenhum mistério. E nem acho que lido com o cinema muito diferente de vocês. Apenas gostamos mais ou menos de um filme pois não somos os mesmos. Reconhecemos igualmente que o diretor fez isso e aquilo, podemos qualificar da mesma maneira um certo aspecto técnico, mas jamais vivenciaremos um mesmo filme de modo semelhante. E acho que a graça é justamente essa.

Tenho revisto muitos filmes ultimamentes. Sempre fui de rever filmes, caso contrário jogaria minha estantes de DVDs no lixo. É um exercício fantástico na maioria dos casos. E tem sido mais do que nunca. A impressão que tive com os últimos quatro longas que revisei foi completamente distinta do meu primeiro contato com esses filmes. O primeiro fato é: o filme não mudou, quem mudou fui eu. E não existe um segundo fato, os fatos param por aí. Eu só me pergunto o quanto minha [ou nossa?] impressão – e consequentemente minha ‘avaliação final’, muitas vezes reduzidas a um simples número ou estrelas – é determinada pelo momento, o exato momento em que o estamos assistindo. Não estou fragilizando nossas opiniões, muito menos propagando a ideia de rever filmes para mudá-las, até porque isso nem sempre vai acontecer. Aliás, a melhor maneira de rever um filme é acreditar que nunca o vimos, e buscar uma experiência nova – se melhor, pior ou igual que a primeira, só saberemos após os créditos finais.

Se esse post não fez muito sentido, eu estava apenas pensando alto e com vontade de atualizar o blog. E confessar que o “erro” era meu, não dos filmes.

Eu já culpei Pulp Fiction de ser um filme normal e mediano. Eu estava louco, não tenho dúvidas, nem culpo o VHS antigo pelo qual assisti. Wall-E se encaixou no mesmo grupo, tadinho. Eu o chamando de um dos mais superestimados do ano passado. Talvez neste caso os pentelhos que lotaram a sessão e não calavam a boca e as mães que em todo momento se levantavam para levá-los ao banheiro tiveram sua contribuição. Em Canções de Amor, o cinema até estava vazio, mas o filme me pareceu estranho demais, por mais vago que isso pareça para você – e para mim também. E o resultado foi morno, apesar da inquietação que fiquei ao fim da sessão. Já chamei Cidade de Deus de lixo, mas eu era meio ou completamente ignorante nessa época. Deve ter sido a mesma época que assisti A Vila e Corpo Fechado, os quais eram os filmes chatos do Shyamalan. De 2001: Uma Odisseia no Espaço eu não entendi nada e aí ele não passava de bonito. Donnie Darko a mesma coisa, tive sérios problemas de entendimento, o suficiente para profaná-lo. Jesus Cristo Superstar ficou por muito tempo com o título de “pior filme do mundo”.

Porém, nada que uma revisão não tenha mudado minha opinião sobre esses filmes e alguns outros. Ah sim, mas nem sempre isso acontece. Casablanca ainda não passa de bonzinho. E estou muito indisposto para assistí-lo pela terceira vez.

Mas diz aí, com quais filmes isso aconteceu com você?

tempos de paz [2009]

post_temposdepaz

Em Tempos de Paz, Daniel Filho quer ser levado a sério. Paradoxalmente, isso pode ser motivo de risada, o que o diretor vem com ímpeto tentando causar no público com seus últimos trabalhos para o cinema após longos anos dedicados aos programas televisivos. Mesmo desagradando a muitos, os números não negam a carreira bem-sucedida que vem construindo no cinema brasileiro. Mas ao classificá-la como “bem-sucedida”, restrinjo minha atenção apenas à arrecadação de capital e ao grande público que seus longas garantem, pois falar do cinema de Daniel Filho é falar, sobretudo, de mercado, de produtos altamente rentáveis. Ou Se Eu Fosse Você ocasionará numa trilogia porque seu realizador tem muito de relevante para dizer ao espectador brasileiro? O que importa é que vende e o povo consome – a ponto de estabelecer recordes.

[E eu não condeno sua maneira de lidar com o cinema. Todo filme é produto, seja ele qual for. Adquire quem quer, gosta quem quer também. Só acho lamentável a maior atenção dada pelo público ao cinema nacional serem justamente a filmes como os seus. Mas essa é uma divagação muito particular.]

Mas justamente aqui, Daniel Filho obtém um resultado positivo, ainda que isso não venha diretamente de sua mão como diretor. Tempos de Paz é uma produção de porte, possui um grande cenário e o cuidado de, através da direção de arte e figurino, contextualizar a história no tempo narrativo, 1945, ano em que o poderio nazista se ruía – fato que os créditos iniciais evidenciam através de imagens reais – e o Brasil, ainda sob o comando de Vargas, era um porto de desembarque para centenas de imigrantes sobreviventes da Segunda Guerra. O polonês Clausewitz [Dan Stulbach] é um dos que tentarão uma nova vida em solo brasileiro, mas isso será possível mediante somente a aprovação de Segismundo [Tony Ramos], chefe da imigração da Alfândega, que não pretende autorizar sua permanência.

A partir disso, nasce um embate entre os dois personagens através de uma série de diálogos que dominam a maior parte da produção. E desta forma, não precisava os créditos iniciais informarem que o longa é baseado numa peça – Novas Diretrizes para Tempos de Paz, de Bosco Brasil – para ser percebida uma adaptação, visto o forte teor teatral contido em Tempos de Paz. É quase possível ver os dois atores principais atuando sobre um tablado com uma plateia disposta em sua frente; inclusive a disposição dos objetos na sala onde acontece os diálogos implica teatralidade [ainda que o visual como um todo seja eficiente]: as estantes com centenas de documentos criam uma espécie de background – como o ciclorama no palco italiano -, realçado inclusive pela movimentação dos atores em cena; a mesa, reafirmando o espaço e o papel dos dois personagens, é rodeado por grandes objetos cobertos e imensos caixotes numa sala que não parece delimitada por quatro paredes – o que novamente remete à estrutura de teatro.

Daniel Filho, por diversos momentos, tende a fugir da sucessão de planos e contra-planos esperada num texto como o de Tempos de Paz, diferenciando os enquadramentos e os movimentos de câmera e o uso da trilha sonora de Egberto Gismonti, que marca presença sempre quando inserida. Mas não há o que amenize o textocentrismo intrínseco no filme, que só não o prejudica pela qualidade do material original e pelo trabalho irretocável dos atores principais.

Assistir ao embate entre os dois personagens, ainda que a teatralidade predomine, é deparar-se com um duelo intenso e, à primeira vista, desonesto, já que apenas Segismundo parece munido de armas – neste caso, o poder, a autoridade, a frieza -, ao passo que, para Clausewitz, resta apenas seu discurso num português arrastado. Porém, esse quadro inicial sofre modificações à medida que os personagens revelam mais de si mesmo, e é interessante notar que o progresso contínuo do diálogo ocorre justamente quando as memórias dos dois homens são expostas não apenas para mostrarem-se armados e pela urgência da resolução do problema, mas por uma necessidade de se despojarem de suas verdades. Com a interpretação de Tony Ramos e Dan Stulbach, o texto ganha uma dimensão maior e visceral, é o sustento do filme – e o que faz aceitar o teatro de Tempos de Paz.

O roteiro, com base nesses diálogos, ainda abre espaço para questões pertinentes, as quais são apenas levantadas com naturalidade em meio às conversas, como a importância da arte num país em período de guerra e também, mesmo em pequeno grau, é um breve apanhado do Brasil, sobretudo do Rio de Janeiro, ao fim do conflito mundial e  durante o governo de Vargas e sua repressão. Contudo, a narrativa é gravemente prejudica com a presença do personagem de Daniel Filho, uma clara tentativa de encorpar a história e romper com as longas cenas entre Sugismundo e Clausewitz – e arrisco-me a dizer, pois não assisti à peça, que o personagem não existe no material original. Sua trama é deduzida desde o início do filme e consegue romper qualquer sutileza numa cena grotesca, além de um flashback que perde a força justamente pela personificação deste personagem.

No fim, Tempos de Paz revela-se como uma bonita homenagem para os muitos artistas que a Segunda Guerra exportou para o nosso país. A arte que produziam modificou vidas, capacidade tamanha que o filme faz questão de relembrar. Eram eles, mesmo que não sós, as novas diretrizes para os tempos de paz. Da nossa parte, fica somente um agradecimento, meio contido, meio triste, pelo legado nos deixado até hoje.

nota_7,5
+ informações | site oficial | imdb adorocinema

filmes [e destaques] do mês | julho 2009

Antes tarde do que mais tarde, venho postar os filmes assistidos em julho, mês de férias, mês, teoricamente, de muitos filmes. Mas consegui encerrar com 18 – o que não é tão mau -, a qualidade é que foi mais preocupante. Poucos filmes memoráveis, prevalecendo mais a satisfação momentânea – a qual também é válida. Por favor, sem agressão física [se agredir verbalmente, seja cauteloso] devido à nota de Contatos Imediatos do Terceiro Grau e, principalmente, Ladrões de Bicicleta. E a partir de agora, esses posts ganharão uns floreios. Vamos lá.

Até mês que vem!

negrito: lançado no Brasil em 2009
itálico: revisto

Faltou Pouco

9 | O Iluminado [The Shining, de Stanley Kubrick – 1980]

Quase lá

8.5 | À Deriva [idem, de Heitor Dahlia, 2009]
8 | Apenas o Fim [idem, de Matheus Souza, 2008]
8
| Contatos Imediatos do Terceiro Grau [Close Encounters of the Third King, de Steven Spielberg, 1977]
8 | De Repente, Califórnia [Shelter, de Jonah Markowitz, 2007]
8 | Estamira [idem, de Marcos Prado, 2004]
8 | Rocky Horror Picture Show [The Rocky Horror Picture Show, de Jim Sharman, 1975]

No caminho certo

7.5 | Coração Satânico [Angel Heart, de Alan Parker, 1987]
7.5 | Ele Não Está Tão Afim de Você [He’s Just Not That Into You, de Ken Kwapis, 2009]
7.5
| Entre os Muros da Escola [Entre Les Murs, de Laurence Cantet, 2008]
7.5 | Harry Potter e o Enigma do Príncipe [Harry Potter and the Half-Blood Prince, de David Yates, 2009]
7.5 | Ladrões de Bicicleta [Ladri di Biciclette, de Vittorio de Sica, 1948]
7.5 | O Contador de Histórias [idem, de Luiz Villaça, 2009]
7 | O Céu de Outubro [October Sky, de Joe Johnston, 1999]
7 | Verônica [idem, de Maurício Farias, 2008]
7 | Vida que Segue [Moonlight Mile, de Brad Silberling, 2002]

Alerta!

6 | Delicada Atração [Beautiful Thing, de Hittie Macdonald, 1996]

Zona de Risco

5 | Hairspray [idem, de John Waters, 1988]

Total de filmes | 18

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| DESTAQUES DO MÊS |

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um nome | Laura Neiva

https://i0.wp.com/www.terra.com.br/istoe/edicoes/2009/imagens/revelados2_80.jpgNão dei o destaque suficiente em minha resenha sobre À Deriva para o trabalho da estreante Laura Neiva. Ela não leva o filme nas costas porque o longa tem qualidades suficientes para se manter com força durante toda a projeção, mas a interpretação de Laura contribuiu imensamente para o sucesso que a obra de Dahlia vem conquistando. Seja nas cenas entre os amigos, seja nas mais intimistas com a família, a atriz obteve um resultado irrepreensível. Ficará ainda melhor com o tempo. Uma grande descoberta, sem dúvidas.

uma surpresa | “Rocky Horror Picture Show”, de Jim Sharman

http://squallyshowers.files.wordpress.com/2009/04/rocky-horror-picture-show.jpgSinceramente, eu não tinha ouvido do filme até o assunto “musicais” surgir na faculdade, e um amigo tratou logo de emprestar o DVD ao ver meu completo desconhecimento para com ele. Deparei-me com um musical nonsense, que mescla comédia, músicas divertidíssimas – e agradáveis -, coreografias bizarras, um leque de personagens excêntricos, erotismo, tudo um tanto caricato, mas fácil de digerir. Certamente, diferente de todos os musicais que assisti até o momento. Destaque para um irreconhecível Tim Curry em uma figura inesquecível.

um nacional | “Verônica”, de Maurício Farias

http://ivygarcia.files.wordpress.com/2009/02/veronicabr2.jpgComo os outros filmes brasileiros ganharam resenhas, destaco o último longa de Maurício Farias, que se mostrou muito mais maduro e eficiente aqui que em seus longas anteriores [A Grande Família – O Filme O Coronel e o Lobisomen]. Apesar da nota razoável por conta de alguns deslizes do roteiro,  o resultado final de Verônica é muito positivo e merece destaque entre as produções brasileiras do ano. O filme utiliza a violência carioca como pretexto para um thriller com boas reviravoltas e que se foca na vida da personagem-título. Vale a conferida, nem que seja para contemplar mais um brilhante trabalho de Andrea Beltrão.

uma cena | a sequência de “De Repente, Califórnia” ao som de “Lie to Me”

Eu ia na cena de Jack Torrance com um machado na mão, metendo a cara na porta e dizendo “Here’s Johnny”, mas seria uma escolha óbvia demais e de conhecimento geral. Fico portanto com a sequência de De Repente, Califórnia que ocasionou a evacuação de 5 pessoas da sala de cinema [o motivo: a qualidade duvidosa do filme ou o conteúdo gay?]. É fato que não é a forma mais original de desenvolver e mostrar a evolução do relacionamento entre dois personagens, mas a cena ainda não saiu da minha memória, talvez por ouvir “Lie to Me”, do desconhecido cantor Shane Mack, incansavelmente. Já não é mais possível separar as imagens da música e vice-e-versa. Eu gostei – muito -, pus um sorriso no rosto e baixei a trilha sonora ao sair do cinema.